sexta-feira, 25 de julho de 2003

Capítulo II - O Butekim

Cigarro, cigarro e cigarro. Essas eram as únicas palavras que se passavam na cabeça ainda alucinada de Marcelo. Se ele não fosse comprar um maço novo logo seria impossível escrever qualquer linha naquela noite. Sobretudo nas costas e sandália franciscana, passou a mão em algumas moedas sobre a escrivaninha do quarto e lá foi ele ao bar mais próximo aberto àquela hora: o Butekim.
Tradicional por funcionar das 18 horas até às 6 da manhã, o Butekim seguia a tradição de servir os clientes do happy hour ao café da manhã há 50 anos. Administrado atualmente pela terceira geração da família Souza, Marcos Souza Junior, o Kim, filho único, assumiu os negócios do pai aos 24 anos, quando o pai morreu baleado no próprio bar em uma tentativa de assalto às 5:30 da manhã de uma terça-feira, primeira vez que o bar fechara antes das seis em 40 anos de funcionamento. Com a herança deixada pelo pai, algumas dívidas e um lote no Espírito Santo, Marcos reformou o bar e mudo o nome de Bar da Hora para Butekim com a intenção de homenagear seu pai e criar uma nova identidade para o bar. Nova identidade que por azar foi assimilada pela ralé do centro. O movimento mais freqüente era o de viaturas policiais separando brigas de bêbados altas horas da madrugada. Algumas prostitutas e cafetões freqüentavam o bar na tentativa de conseguir descolar alguns universitários embriagados que insistiam em passar por lá para tomar a saideira.O golpe era simples, elas ofereciam seus serviços de graça e na casa delas, quando o iludido rapaz topava, era roubado pelo cafetão que chegava em casa alegando ser o marido dela e colocando o rapaz pra correr só de cuecas. O lugar não era mais barra pesada porque o Kim não admitia de forma alguma o uso de drogas lá. Um dia, uma turma chegou lá exalando cheiro de maconha. Na mesma hora o Kim colocou todo mundo pra fora e pela segunda vez em 50 anos fechou o bar antes das 6 da manhã. Após esse fato, os próprios freqüentadores passaram a proibir e não aceitar drogados no bar.
Era para esse lugar tão hostil que Marcelo se encaminhava. Já sabia que não seria bem vindo se percebessem que estava completamente drogado. No elevador pode perceber que seus olhos estavam muito vermelhos e que seria facilmente expulso do butekim. Por sorte encontrou em seu bolso um velho frasco de colírio. Ouro Branco é uma cidade muito fria e Marcelo sempre levava aquele sobretudo e o colírio para disfarçar os efeitos da maconha. Antes de chegar ao primeiro andar pingou duas gotas em cada olho, o que deu uma leve embaçada na sua visão.
O Butekim era no mesmo quarteirão em que Marcelo morava, porém do outro lado da rua. Enquanto atravessava notou algo estranho. No edifício Helena Ribas, ao lado do automóvel clube, quase de frente para o prédio de Marcelo, havia um estranho homem, forte e bem vestido tentando pular a grade do portão. Devido ao seu estado alucinógeno e graças à embaçada que o colírio lhe proporcionara, Marcelo não pode identificar muita coisa. Notou que o homem percebeu que era observado. Nesse momento Marcelo apressou o passo. O estranho homem era forte o suficiente para agredi-lo e estava tão drogado que não conseguiria reagir. Sem olhar pra traz deu uma pequena corrida até o bar. Enquanto corria, pensou ainda, que o prédio era de alto luxo e tinha porteiro 24 horas, provavelmente o porteiro impediria a entrada dele. Chegou lá meio ofegante assustado. Comprou dois maços de cigarro e foi embora. Quando saiu do bar viu que o homem não estava mais lá. Andou apressadamente até a porta do prédio e tentou ver pela grade se conseguia falar com o porteiro. Enquanto tentava olhar sentiu uma mão truculenta em seu ombro. Virou assustado e deparou-se com o porteiro do prédio que disse que também estava no Butekim tomando um café e que o jornalista havia esquecido o troco do cigarro. O porteiro levava apenas o recado do Kim, que estranhou o modo rápido e assustado como Marcelo entrou e saiu do bar, esquecendo inclusive de pegar o troco.
Marcelo, ainda tremendo do susto, agradeceu e retornou ao Butekim para pegar o troco de pouco mais de 5 reais. Quando voltou, queria se desculpar pela maneira como reagiu ao porteiro, mas ele já havia entrado e já era tarde.
Marcelo retornou para o seu apartamento e a imagem daquele homem não saía da sua mente. Sentou-se na varanda e ainda nervoso acendeu um cigarro. Fumou rapidamente. Acendeu o segundo cigarro ainda no final do outro e retornou ao notebook. Não conseguia escrever nada que tivesse alguma coerência. Só pensava na imagem daquele homem e no que poderia ter lhe acontecido se o homem tivesse ido atrás dele na rua. No mesmo instante em que acendia mais um cigarro, algo no edifício Helena Ribas chamou sua atenção. Em um apartamento, que deveria estar no 11º andar, uma luz se acendeu às quatro horas da manhã.

segunda-feira, 23 de junho de 2003

Capítulo I - Descoberta

Marcelo Albuquerque, é assim que o jornalista da coluna "Sociedade Alta" do Jornal de Minas Gerais assina seu nome. Marcelo de Oliveira Silva Gomes adotou o Albuquerque de sua avó materna porque achava que soava melhor para um colunista social. Requisitado nas mais badaladas festas e eventos da alta sociedade e amigo íntimo de todos os figurões de Belo Horizonte.
Escreve notícias e fofocas em sua coluna por dois motivos: interesse e dinheiro. Nada que algumas cifras não comprem o bom grado do jornalista. Aliás, jornalista por profissão, homossexual por opção e colunista social para sobreviver. O grande sonho de Marcelo sempre foi ser repórter policial, mas nunca se deu bem na redação pela sua preferência sexual. Logo que se formara, no final da década de 70, mais precisamente em 1978, ainda havia um grande preconceito nas grandes empresas e nos grandes jornais não era diferente.
Começou no jornalismo na seção de astrologia, aos poucos ganhou espaço no rádio, em um programa onde entregava a fofoca e os babados da noite de BH. Logo recebeu alguns avisos para que calasse a matraca. Os primeiros eram por escrito, alguns com boas quantias de dinheiro e alguns com ameaças diretas e violentas.
Em virtude de um olho roxo e algumas costelas quebradas, resolveu amenizar seu discurso na rádio. Na mesma época começou a perceber que poderia ganhar algum dinheiro se amigando para o lado dos figurões. E deu certo, falava bem deles e eles lhe retribuíam como podiam, dinheiro, acesso às festas mais importantes da cidade e algumas trocas de experiências até mesmo físicas.
Devido ao grande sucesso na rádio, Marcelo foi convidado em 1983 para assinar a coluna do Jornal de Minas Gerais sobre a alta sociedade.
Marcelo é natural de Ouro Branco, cidade próxima de Belo Horizonte aproximadamente 100 Km. Mudou-se para a capital aos 21 anos, quando iniciou os estudos em jornalismo. Descobriu-se no sexo e na vida no 2º período do curso superior, quando em uma festa em uma república de estudantes na Rua Tupis, no quinto andar de um prédio antigo, se embriagou de vodka barata e vinho, se entorpeceu com cocaína e muita maconha e experimentou no meio da noite sexo com Juliana, uma caloura da faculdade e com Diogo, um colega de sala com quem acordou abraçado e pelado pela manhã.
Revelou-se sua opção por rapazes e assumiu publicamente, mas somente na capital. Filho de mãe beata e pai repressor, jamais teve coragem de assumir para eles que optara pelo homossexualismo. Até porque não aparenta sê-lo. Veste-se, fala e age como um homem, apenas na cama que se comporta como uma donzela. Mas assume publicamente seus namorados, eis o motivo de tanto preconceito quando começou na profissão.
Dono de um apartamento na Rua Goiás, no centro de Belo Horizonte, bem próximo do jornal e da antiga república onde acontecia as festas e orgias de faculdade, Marcelo adora passear a noite pela região central. Não possui carro, muito menos carteira de motorista, opção própria. Acha carro muito perigoso e preferiu investir todo seu dinheiro no seu apartamento. Com uma decoração de altíssimo luxo, Marcelo promove festas freqüentes no 12º andar do velho prédio de frente ao automóvel clube.
Geralmente termina as festas embriagado de vinho tinto seco, um vício que trouxe de Ouro Branco, e muita maconha na cabeça. Algumas das vezes só, outras acompanhado, mas isso nunca lhe foi algum problema. Na verdade até gostava de terminar só, achava que no final da festa era o melhor momento para trabalhar, pois a mente estava aberta pelas drogas e pelo vinho. Acendia um cigarro, vício esse que adquiriu na faculdade, abria seu notebook na varanda de seu apartamento e começava a redigir, ora as matérias de sua coluna, ora se dedicava a um projeto pessoal: um romance policial.
Na noite de 12 de fevereiro de 2003 tudo caminhava para mais uma noitada de trabalho pós-festa, nenhum rapaz interessante naquela noite em seu apê e a cabeça pensado com muito entusiasmo em algumas idéias novas para o seu livro. Aproximadamente às 2:30 da manhã, dispensou os últimos convidados alegando sono. Pegou seu notebook, posicionou-se na varanda, como de costume, pegou o maço de cigarros todo amassado do bolso e quando pegou o cigarro verificou que era o último. Sem cigarro, não dava para escrever, era como energia essencial para alimentar sua inspiração.