quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Capítulo XII - Informações

Alguns dias e uns desencontros depois, Marcelo, ao final de um dia de trabalho terminado mais cedo, consegue organizar-se para falar com Marinis. Pega sua agenda e busca pelo telefone do delegado. Ao abrir a agenda cai o bilhete anônimo que recebera alguns dias antes da morte de seu pai. Como passara uns dias totalmente envolvido com o trabalho na tentativa de não ser nostálgico em relação ao pai, Marcelo havia ocupado seu tempo, sua cabeça e sua rotina com tudo que se podia inventar. Cinema, corridas, notas sociais de gaveta, um pouco mais de conteúdo em seu romance. Vinho. E quando bebia, se permitia eventualmente fumar. Às vezes era o fumo que convidada à beber. Se fechou em si por alguns dias o jornalista recém meio órfão. Revendo conceitos, valores e repassando a vida enchendo-se de atividade, faltou tempo a Marcelo para retornar o tão breve contato que tinha tido com Marinis no dia que soube da morte de seu pai. Voltando aos poucos a vida no seu relativo equilíbrio que levava, seu sangue voltava a fervilhar de vontade de participar mais ativamente no caso do assassinato que havia despertado o interesse do delegado. Marinis já havia tentado encontrar com Marcelo quatro vezes em 20 dias e o encontro não acontecera por parte de Marcelo. Ao pegar o bilhete no chão, Marcelo voltou a se lembrar do mistério que envolvia a pessoa que havia tocado campainha à sua porta e deixado aquele bilhete. O lançou a mesa e já com telefone entre o ombro e a orelha discou os números do telefone de Marinis. Não demorou muito para atender do outro lado, mas mesmo o pouco tempo que demorou foi suficiente para que Marcelo acendera um cigarro. Marinis disse que estava esperando para encontrá-lo sim. E que na verdade adoraria ver a vista que Marcelo tinha do edifício de frente do apartamento de Marcelo. Marcelo já estava de saída do jornal e não demorou em responder que poderiam se encontrar lá dentro de uma hora. E quando já estavam por se despedir, Marcelo grita em um tom de quem acabara de descobrir algo: É mulher! Marinis assustado ao outro lado da linha questiona a frase tão inusitada de Marcelo, que reduz a história dizendo que não era nada, um bilhete romântico que tinha recebido há alguns dias. Marinis riu um pouco desconcertado e foi seguido de uma risada despretensiosa de Marcelo. Se despediram e Marcelo ainda repetiu: Em uma hora.
Com o bilhete nas mãos, Marcelo havia se dado conta que a caligrafia era muito feminina e que só poderia ser de uma mulher. Mas quem? Tocara à campainha sem passar pelo porteiro. Mas também esses porteiros do centro para tudo tem um motivo para dar um pulinho na rua. Inquieto por aquele modesto mistério que envolvia um tom romântico, voltou a guardar o bilhete em sua agenda e agora o prendera com um clip. Foi do jornal até sua casa dividido em pensamentos a respeito do assassinato que voltara a ser assunto dentro da sua cabeça e também do bilhete que tinha um ar que lhe instigava a investigar quem seria aquela indefinida figura que se manifestara tão carinhosamente em relação a ele. Mas quando chegou a sua casa, já estava totalmente envolvido novamente em a janela de luz acesa, do strip tease. Finalmente se envolveria em um caso policial e poderia utilizar seu verdadeiro prazer enquanto jornalista, a investigação atrás da informação, e nesse caso, de um homicídio que o destino havia lançado em seu caminho.
Não tardou para que Marinis chegara depois da hora marcada. Não era britânico no horário por pura educação. Chegou uns 8 minutos depois da hora que tinha marcado com Marcelo. Quando chega cumprimenta a Marcelo e pergunta sobre o pai de Marcelo. Ele responde que foi um susto. Mas que também foi o rito que é a passagem de alguém tão próximo. Que já não tinha mais vontade de falar daquilo, se o delegado não se importasse. Ao ser chamado de delegado, Marinis interrompe a Marcelo e diz: Claro, desculpa por ter perguntado. Mas com uma condição, delegado não é preciso, pode me chamar de Marinis. Marcelo sorriu concordando. Marinis decidiu respeitar o pedido de Marcelo, ainda que uma pulga havia se instalado em sua orelha. Marcelo havia dito que foi um susto, o que não correspondia com seu estado ansioso no café algumas semanas atrás. Mas Marinis não tinha opção de movidas em seu tabuleiro naquele momento e sem muita cerimônia pediu a Marcelo que lhe mostrasse a janela que já haviam falado sobre ela. Marcelo levou Marinis até sua varanda e apontou para a janela. Marinis ficou alguns minutos olhando sem dizer uma única palavra. Marcelo estava contando sobre o número de vezes e o intervalo de horas que havia visto a luz acesa através da janela. Marinis demorou um pouco, mas retornou a si interrompendo Marcelo e dizendo que aquela era a janela do quarto onde haviam encontrado a moça morta. Marcelo diz que tem algo mais que contar e revela que vira um strip tease naquela fatídica noite. Marinis se interessa pela história mas antes confirma com Marcelo se havia sido naquela noite mesmo. Como ele poderia ter tanta certeza? E ele responde que lembra muito bem porque foi no dia que tinha tido uma briga no ButeKim e todo o barraco na rua tinha sido inspiração para um livro que estava escrevendo. Marinis acaba revelando a Marcelo que aquela briga daquele dia tinha aberto um novo caso em sua seção na delegacia e procuravam pelos assassinos de um tipo com algumas passagens pela prisão e delegacia que atendia pelo nome de Naldo. Marcelo disse que nunca tinha ouvido falar. E comenta que haviam sido dois assassinatos no mesmo dia. E Marinis desabafa, pois é, mas o do Naldo pelo menos já sei quem foi. Já o da moça degolada de frente a sua janela, ainda não tenho nenhuma pista de por onde começar a buscar esse assassino. Marcelo o interrompe e diz que se já sabia o assassino do outro logo que pegassem o assassino o caso se daria por encerrado. Marinis, já sentindo-se mais à vontade em conversar com Marcelo, e permitindo-se alguma intimidade na intenção de utilizar o toque investigativo jornalístico de Marcelo, resolve dar-lhe crédito, ignorando as recomendações do detetive Adriano que lhe alertara do excesso de vontade de Marcelo poder fazer parte de suas criações ao invés de ajudar. Marinis resolvera dar esse crédito e acabou revelando a Marcelo todo o caso que suspeitava da equipe da narcóticos. Mas não tinha provas. E o delegado daquela seção já havia solicitado o trabalho da corregedoria no seu departamento. Marcelo percebeu que aquela confissão de questões profissionais por parte de Marinis era um passo que estreitava a relação deles. Marcelo disse a Marinis que tentaria escrever tudo o que tinha de registro daquela noite e daquela janela, inclusive o pouco que havia visto do strip. Ia tentar colocar o máximo de detalhes no papel, onde melhor organizava suas idéias. Marinis se deu por satisfeito, já que estava ali dando um crédito à veia investigativa de Marcelo, tinha que permitir que ele reunisse toda a informação que poderia lhe passar tomando o tempo que lhe fosse necessário para organizá-la e compilá-la. Marinis se despediu de Marcelo e deixou um auto convite, dizendo que seria interessante se pudesse voltar um outro dia para ver a vista da janela de Marcelo e conversar mais sobre aquela madrugada. Marcelo entusiasmou-se e deixou aflorar mais seu lado feminino, mas logo reassumiu sua postura tradicional. Ao ouvir a porta trancar, Marcelo estirou-se no sofá e pensativo escutou o elevador chegar, a porta se abrir, Marinis entrar e o barulho ir tornando-se mais distante a vez que o elevador chegava ao solo. No sofá, Marcelo passou algumas horas vendo escurecer a cidade e também seu apartamento sem acender nenhuma luz. Reflexivo ficou até que adormeceu.