A mochila era pequena. Levava um par de roupas, um livro sobre espiritismo e outro do Ferreira Gular, presente que seu pai lhe dera no último natal. Agenda, discman, celular e cuecas na bolsa. Marcelo saiu tão atônito de sua casa que não se deu conta que tinha colocado os livros na mochila e as cuecas na bolsa. Quando já sentado dentro do ônibus a caminho da estrada para Ouro Branco, buscando pela antologia poética de Gular se deu conta de que havia trocado os obejtos de lugar. Olhando para o que sobrava na bolsa, agenda, celular e discman, só lhe restava uma opção. Discman. A viagem não era muito longa, mas levava seu tempo, pouco mais de uma hora. No discman um único cd. O da volta da viagem do fim de semana. Mas passadas três faixas, a quarta começava e não conseguia adormecer Marcelo. Sua cabeça tentava entender o que podia ter passado. Ainda que de nada adiantava. Assim como também não adiantava seu saudosismo dos momentos com seu pai. Mas seu saudosimo não era de lamento, e ainda que lhe trouxesse saudades antecipadas. Era um lembrança que lhe fazia misturar sorrisos e lágrimas. Ao notar que a música lhe parecia bastante dispensável, tirou os fones do ouvido e pôs-se escutar o ruído do motor do ônibus enquanto subia a estrada. Após alguns minutos, Marcelo se deu conta de que acabava um faixa e começava outra no discman. Olhous para suas mão e percebeu a altura do volume que saia dos fones de ouvido. Abriu a bolsa e em meio a umas cuecas encontrou o discman. Mais ao lado estava a agenda. Desligou o discman e pegou a agenda. Abriu a agenda, pegou uma caneta e anotou o dia da morte de seu pai. Fechou a agenda. Passou alguns segundos com as mãos sobre a agenda pensando. Lembrava outra vez de seu pai e sorria. Abriu a agenda e rabiscou o que tinha escrito. Enquanto rabiscava viu escrito sobre o encontro com o detetive pela tarde e se conectou na outra visita da morte, uma à sua casa e outra à sua janela. E Marcelo distraiu seu pensamento sobre seu pai e voltou a pensar em Marinis e tudo aquilo que presenciara desde sua janela, e ainda que Marinis não soubesse, ele tinha muitas informações do caso. A mulher que ele vira. Mais ou menos a hora. Se podia ajudar, estava mais que nunca seguro que sim. Era a hora em que se envolveria em um caso sério de polícia. "Mórbido, tratando-se de uma morte", pensava Marcelo se autorecriminando,"mas assim é a vida". Se autorespondia. Em uma curva, a agenda em seu colo cai no chão e caem alguns papéis junto. Marcelo junta todos e coloca no meio da agenda. Guarda a agenda na bolsa, pega uma cueca, coloca entre o vidro e o assento, encosta a cabeça e em poucos minutos começa a relaxar. Já acostumado com a estrada há anos, Marcelo tinha sua técnica de relaxar na estrada. Conseguia não olhar para a paisagem e sim inventar algo para contar pelo caminho. E ao invés de carneiros contava, carros, postes, motos, montanhas, nuvens e o que mais lhe convinha. Relaxava e adormecia. Dessa vez não foi diferente. Quando o motorista o chamou e disse: Senhor, ô senhor não vai descer? Marcelo acordou assustado e com a cara amassada e os olhos inchados pergunta: Quê? E olha ao redor vendo que está na rodoviária de Ouro Branco. Desceu, pegou a mochila e pegou um taxo até sua casa. O velório ia ser na própria casa, como de antigo costume do interior. E o enterro no dia seguinte. Pela tarde. Marcelo não gostava da idéia de ser assim, mas era assim. Em sua casa tias, tios, primos, amigos e conhecidos toda à madrugada. Chegavam sem parar. E Marcelo não conseguia se comunicar com sua mãe. Ela chorava compulsivamente. Suas tias não sabiam explicar o motivo da morte de seu pai. Ele não entendia. Seu irmão chegaria pela manhã e sua irmã a qualquer momento.
Na delegacia um telefone toca. Marinis atende: Pode passar! e do outro lado escuta: Doutor Marinis, sou o Kim. Lembrei de uma coisa. Naquele mesmo dia teve uma briga aqui na porta do bar. Sei lá, tô ligando porque o senhor perguntou se eu lembrasse de alguma coisa suspeita, e o senhor sabe, né? Isso não é suspeito, se teve até viatura de polícia. Marinis acena com a cabeça tomando nota e agradece a Kim. Pelo computador busca o boletim de ocorrência pela data e pela rua. Não encontra nada. Pede a um colega que verifique a informação e ele também não encontra nada. Marinis se põe a tentar entender porque Kim mentiria para ele. Já era tarde, mas nunca tarde demais para uma passada ao butequim mais famoso da capital. Já era hora de ir para casa e tentar descansar um pouco. Marinis se despede de poucos, como sempre, e sai como gosta da delegacia, a francesa. Em poucos minutos já está no seu carro a caminho do ButeKuim. Quando coloca a mão atrás do banco para buscar um cd, sente o perfume de Marcelo, exagerado para seu gosto e se lembra que se não é por Kim, por Marcelo esse caso demora para se resolver. Sem nenhum suspeito até agora. O porteiro disse que não viu ninguém. Na rua, no centro e de noite, está todo mundo e ninguém. Marcelo tinha se mostrado muito interessado no caso, mas Adriano já havia alertado a Marinis da vontade de Marcelo ser repórter policial. Marinis tinha ali suas dúvidas de que se Marcelo poderia mesmo ajudar. Era intuição dele e nada mais. Adriano tinha dito que o cara morava no prédio da frente, era colunista social. No caminho do café, Adriano conversando com Marinis sobre Marcelo conta a ele que Marcelo queria ser repórter policial e que seria importante ter cuidado com a empolgação do rapaz. Marinis percebeu que Marcelo estava estranho no café e pensava que era por ansiedade. Tanto que quis ir ver a vista que Marcelo tinha de sua janela. Mas em meio a tudo isso morre seu pai e explica todo seu estranho estado que julgava ser ansiedade. "Com o pai no leito de morte deve ser difícil estar em um estado normal", pensava Marinis enquanto chegava ao ButeKim antes de achar o cd que buscava. "Marcelo estava estranho por seu pai, mas queria falar comigo para me dar informação ou quer receber informação?" Com essa dúvida estaciona o carro e caminha em direção ao bar, olhando o paredão de prédios que fazem a rua parecer um grande corredor. Já no ButeKim, Kim não está. Recebeu uma ligação e saiu. Marinis senta em um banco no balcão e pede uma gelada. Relaxa a gravata, olha o relógio e toma um gole. O garçon pergunta se ele quer comer alguma coisa e ele pede uma porção. Quando o garçom volta com sua porção, Marinis pede outra cerveja e já tem uma expressão mais relaxada. Tinha pensado enquanto esperava a Kim que o melhor era tentar relaxar um pouco para a cabeça tentar encontrar outras saídas para o caso.